Nos últimos meses, o mundo assistiu a cenas tristes de racismo, como as que aconteceram com George Floyd, nos Estados Unidos, que teve sua vida ceifada, produzindo uma onda mundial de protestos, e o caso Miguel, um filho negro de uma empregada doméstica, que morreu ao cair de um prédio de luxo, em Recife, enquanto estava sob os cuidados da patroa, branca, o que gerou comoção nacional. Mas, infelizmente, atitudes racistas não são inéditas. São anos a fio nas mais diferentes esferas sociais de xingamentos, percepções equivocadas e atos discriminatórios, repetidas vezes. Alguns ganham repercussão nos veículos de comunicação e outros não.
Refletir sobre esse comportamento social remete-nos a pensar sobre qual a melhor forma de combatê-lo, e a principal delas está no campo educacional, onde se formam cidadãos e abrem-se janelas de oportunidade. Entretanto, o que é necessário ao sistema educacional para que se combata, efetivamente, esse mal tão perverso à dignidade da pessoa, que chega a limitar as chances de negras e negros a questões fundamentais como: emprego, moradia e educação?
O “Learning Policy Institute” publicou um artigo intitulado “How Will Each of Us Contribute to Racial Justice and Educational Equity Now?” (Como cada um de nós contribuirá para a justiça racial e a equidade educacional agora?), apontando que atitudes discriminatórias ficaram evidentes em toda a pandemia de COVID-19, ao justificar: “ […] à medida que crianças e famílias de cor experimentaram os resultados de maiores taxas de infecção e mortalidade, desemprego, habitação e instabilidade alimentar e a exclusão digital, que impede as crianças de se envolverem na educação e que seus pais tenham acesso a serviços de telessaúde, procura de emprego, acesso a benefícios ou entrega de mantimentos e medicamentos”, ressalta.
As autoras Linda Darling-Hammond Janel George, ambas “Learning Policy Institute”, levantaram uma questão que considero central, em nosso papel como educador. É necessário reconhecer que nossos sistemas escolares não podem mais ser cúmplices no processo de perpetuação do racismo sistêmico, envolvendo políticas, práticas injustas e discriminatórias, financiamento, currículo, entre outros. Está mais do que na hora de repensar práticas pedagógicas e adotar abordagens de honra e respeito à dignidade da pessoa humana, independente de cor.
O estado, também, aponta que a realidade social das escolas públicas tem revelado, ao logo dos anos, que práticas equivocadas de disciplina e punições só aumentam as chances de abandono e fracasso escolar. Por outro lado, investimentos em aprendizagem social e emocional, práticas restaurativas, projetos de vida e o foco no protagonismo do estudante, enquanto alvo principal do projeto político pedagógico, bem como o fortalecimento do vínculo gestão, professores e famílias, podem mitigar e até extirpar as práticas racistas, formando agentes de combate nas diferentes localidades onde esses estudantes estão inseridos ou transitam.
Merece destaque, ainda, outro artigo publicado pelo Banco Mundial, cujo foco são os efeitos da tempestade causada pelo fechamento das unidades de ensino no aprendizado das crianças, considerando diferentes períodos de fechamento de escolas (3, 5 e 7 meses). Uma das premissas é que “A combinação de estar fora da escola e a perda do sustento familiar causada pela pandemia pode deixar as meninas especialmente vulneráveis e exacerbar a exclusão e a desigualdade – especialmente para pessoas com deficiência e outros grupos marginalizados”, entre eles os negros.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), também, ratificou que a pandemia trouxe para o mundo uma profunda reflexão para onde estamos caminhando e o que faremos a partir da daqui. Sobretudo na educação, é tempo de evocar a proposta de educação de Paulo Freire, que dá ênfase à relação indissociável entre educação, conscientização e inclusão.
Portanto, todos nós, que fazemos educação, do chão da sala de aula à gestão, estamos diante de um desafio profundo de reinvenção do que é ser escola, sob a ótica de dois conceitos – equidade e resiliência – que permitam às crianças uma trajetória de aprendizagem inclusiva, antirracista, cheia de compaixão e solidariedade.
Felipe Costa Camarão
Professor
Secretário de Estado da Educação
Membro da Academia Ludovicense de Letras e Sócio do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão
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