3/11/2017 12:01 pm

Escola integral inova com matérias diferentes, conquista alunos e colhe lições de vida no Maranhão

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O professor Afonso Diniz trocou a escola particular pelo novo desafio. (Foto: Jefferson Stader)

O que você diria se, na sua adolescência, alguém o convidasse para passar o dia inteiro na escola e assistir a nove horas de aula por dia? Para os alunos dos Centros de Educação Integral Educa Mais, em funcionamento desde o início do ano letivo de 2017 na rede estadual de ensino, a experiência está longe de ser ruim. “Se a gente dissesse para alguém que ia ficar esse tempo todo na escola, iam chamar a gente de louca. Mas a verdade é que é maravilhoso”, diz Ingrid Brenda Santos Sá, 16, estudante do Centro de Ensino Dorilene Silva Castro, no Coroadinho.

Os Centros Educa Mais são parte da política de educação integral que vem sendo efetivada pelo Governo do Maranhão nos últimos anos. É a primeira vez que a rede pública estadual tem escolas desse tipo.

O fio condutor do modelo é a “Escola da Escolha” – que coloca o jovem no centro da experiência escolar, aliando, além de uma boa formação acadêmica, valores e competências exigidas pelo século 21.

“É uma inovação metodológica. Nessas escolas, os jovens exercitam essas competências diariamente. O objetivo é que estas ações se revertam em melhor aprendizado”, explica a gestora da Educação Integral na Secretaria Estadual de Educação (Seduc), Fernanda Passos.

Na prática, isso significa um horário de aulas que certamente inclui Português, Matemática, História e Geografia, mas também pode abranger Cordel, Cultura Oriental, Horticultura e História do Rock, por exemplo – a depender das escolhas feitas pelos alunos.

Em cada escola, tanto os professores quanto os estudantes sugerem temas, que são reunidos e apresentados para toda a escola num evento chamado “Feirão das Eletivas”. Os assuntos mais votados pelos estudantes se transformam nas eletivas do semestre. A principal característica das eletivas é a interdisciplinaridade: cada uma deve remeter a conteúdos de, pelo menos, duas disciplinas regulares simultaneamente.

Wi-fi e espelhão

Ingrid Sá diz que “é maravilhoso” estudar na escola integral. (Foto: Jefferson Stader)

O som alto do alarme avisa o final de um dos horários de aula no Centro de Ensino Dorilene Silva Castro, no Coroadinho. Os 350 estudantes das dez salas de aula ganham os corredores, animadamente, mas de forma organizada, e logo se dirigem às salas das próximas aulas. No pátio amplo, um cartaz informa o cardápio do dia, que inclui peixe, arroz, feijão, salada e farofa.

A escola tem internet wi-fi, liberada para o uso dos alunos, e cada um tem seu próprio armário para guardar livros e pertences pessoais. No banheiro, as meninas retocam a maquiagem no espelho de corpo inteiro – colocado pela gestão escolar como recompensa pelo estado de limpeza e conservação do local. “Pode entrar, que está tudo limpinho. Não tem papel no chão, não tem mancha de batom”, garante uma estudante.

Muita coisa melhorou na escola. Para funcionar em tempo integral, a unidade ganhou piso novo, uma cozinha maior, climatização e laboratórios de Exatas e de Ciências Biológicas – apelidados carinhosamente de “Secos e Molhados” pelos estudantes e professores. O currículo escolar enfatiza Língua Portuguesa e Matemática – uma exigência desse modelo pedagógico -, mas inclui também as disciplinas eletivas. Duas vezes por semana, os estudantes têm aulas de disciplinas como Hortoquímica, Cordel e Projeto de Casas Populares, entre outras.

Neste semestre, Ingrid participa da aula de Consciência Musical: “A gente pega músicas de que gosta e vai analisar a letra, entender a mensagem a ser transmitida”. Há também a aula de cordel – um projeto conjunto das disciplinas de Sociologia e Língua Portuguesa. “Nós estudamos cordel e produzimos os nossos próprios textos também”, explica ela.

Saindo da rotina

Solange Carvalho diz que sempre tem algo diferente acontecendo. (Foto: Jefferson Stader)

Solange de Oliveira Carvalho, 16, gosta das aulas de Projeto de Vida, nas quais os estudantes descobrem suas próprias aptidões e traçam estratégias para alcançar objetivos e realizar sonhos.

“Trabalhamos muitos temas essenciais para a vida do adolescente. Na aula, tem a hora de falar e a hora de escutar, e os professores ajudam a gente a descobrir em que nos destacamos e o que a gente gosta mesmo de fazer”, conta a estudante. Sobre a rotina de tantas horas na escola, ela constata: “No começo era bem cansativo e foi difícil. Mas a escola cria altos projetos e sempre tem alguma coisa diferente acontecendo. Então deixou de ser cansativo”.

A gestão escolar comemora o sucesso da proposta entre os estudantes. “Antigamente, eles vinham para a aula de manhã e acabou. A gente passava pelo bairro à tarde e estava todo mundo pela rua. No começo foi difícil, mas hoje, quando dá cinco da tarde e acaba a aula, eles nem querem ir embora. Ficam pelos corredores, conversando”, afirma Maria Luísa da Silva, gestora da unidade.

Para ela, que mora no Coroadinho há vários anos, a transformação do C. E. Dorilene Silva Castro em escola de tempo integral trouxe também um quê de esperança. “Parecia um sonho grande demais e a gente chegou a não acreditar que fosse acontecer. Mas hoje nós agradecemos muito esse olhar diferenciado do Governo do Maranhão. Como mãe, educadora e moradora do Coroadinho, digo que uma educação de qualidade é possível, e que com o devido esforço nossos alunos podem conquistar qualquer oportunidade que desejarem”, diz a gestora.

Aulas de vida

“Parecia um sonho grande demais”, diz a gestora Maria Luísa da Silva. (Foto: Jefferson Stader)

No enorme refeitório do Centro de Ensino Mônica Vale, no Vinhais, os cartazes confeccionados pelos próprios estudantes chamam a atenção para a importância do bom relacionamento entre os estudantes. “Gentileza gera gentileza”, afirma um. “Cuidado com as pequenas corrupções: não fure a fila do almoço”, avisa outro. A escola hoje atende 364 estudantes do 1º ao 3º ano do Ensino Médio e, assim como outras em tempo integral, é climatizada e equipada.

Assim como os demais Centros Educa Mais, a rotina no C. E. Mônica Vale é composta também dos conteúdos da Base Nacional Comum (BNC) e das disciplinas eletivas. Na unidade, propostas para as eletivas podem ser colocadas num grande envelope, que fica no mural na entrada da escola. Tanto estudantes quanto professores contribuem. O resultado são matérias cujos nomes chamam a atenção, como “Jovem empreendedor: empregadores de sucesso”; “Makers: transformando lixo eletrônico” ou “Cinturão verde: a luta pela sobrevivência”.

No primeiro semestre deste ano, as gêmeas Helen Vanessa e Witória Regina Silva Lopes, de 16 anos, participaram da eletiva “O corpo escrevendo a alma”, que misturava aspectos de produção textual à dança do ventre. Vanessa e Witória são adventistas e não dançam, mas como resultado das aulas escreveram um romance com o mesmo nome da disciplina.

A história usa a dança como pano de fundo para falar sobre relacionamentos abusivos, bem como questões relativas aos direitos das mulheres. “A ideia inicial era fazer um livro de poemas, mas toda escola já faz isso. Então decidimos que íamos escrever uma história, mas a ideia foi crescendo e quando percebemos tínhamos escrito um livro. Eu virava a noite escrevendo e quando percebia tinha dormido em cima do computador”, contou Vanessa.

Os professores da escola ajudaram na revisão do texto. Sobre a participação na disciplina, Witória completa. “Mesmo não dançando, nós gostamos demais de aprender sobre esse assunto. Foi maravilhoso, e é importante conhecer as coisas para não julgar, não ter preconceito. A dança do ventre, por exemplo, tem um valor cultural muito grande”, avalia ela.

Professores engajados

Solange Oliveira Carvalho e Ingrid Brenda Santos Sá. (Foto: Jeferson Stader)

Solange Oliveira Carvalho e Ingrid Brenda Santos Sá. (Foto: Jeferson Stader)

A experiência de uma escola de educação integral é igualmente intensa para os professores. Afonso Diniz é professor há 23 anos e abdicou de empregos em conceituadas escolas particulares da capital para ser professor de Matemática no CE Dorilene Silva Castro em tempo integral. Ele garante que a experiência foi uma bela sacudida na vida profissional.

“Depois de tanto tempo no magistério, a gente tende a achar que está se repetindo. Mas essa experiência é única e me deu outra visão. Nós estamos ajudando a construir um futuro para esses adolescentes. Fora que eles são um público muito receptivo e o carinho aumenta mais ainda quando eles passam a confiar no seu trabalho. É, sem dúvida, muito cansativo, mas o carinho e o afeto compensam”, garante o professor.

Ao longo da rotina escolar, os estudantes também têm acesso à tutoria: cada professor atua como mentor de um grupo de alunos, ouvindo, aconselhando e mostrando caminhos que auxiliem no projeto de vida dos estudantes. A rotina de educação integral inclui também formações periódicas para os professores, que precisam se adaptar à rotina diferenciada. Foram 12 formações desde o início do ano e a perspectiva é chegar a 15 nos próximos meses.

Ainda como parte da estratégia de desenvolver a autonomia dos estudantes, as escolas integradas a essa modalidade incluem na carga horária o “estudo orientado” – horários de aula em que os estudantes são estimulados a estudar sozinhos e os professores agem como facilitadores, ensinando técnicas de memorização e táticas para entender melhor um determinado conteúdo.

As provas são semanais e acontecem todas as segundas-feiras, como forma de estimular o hábito de estudo. Quem está no terceiro ano do Ensino Médio participa também dos Aulões do Enem, realizados periodicamente na escola, em que os professores revisam o conteúdo e resolvem cadernos de prova de anos anteriores.

Inspiração

O Educa Mais é inspirado no modelo educacional pernambucano, hoje exportado para mais de uma dezena de estados brasileiros. Para concretizar a iniciativa, o Governo do Maranhão firmou convênio com o Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), O Instituto Natura e o Instituto Sonho Grande. A parceria foi feita sem ônus para o Governo do Maranhão.

Integrada ao Programa Escola Digna, a modalidade abrange também iniciativas como os Institutos de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IEMA), com foco no ensino profissionalizante, e os Núcleos de Educação Integral, que têm projetos de arte, esporte e cultura no contraturno escolar.

A diferença é que os centros Educa Mais são voltados ao Ensino Médio Regular e ao protagonismo dos adolescentes que, auxiliados pelos professores, participam da montagem da grade curricular e definem um projeto de vida para os anos depois da escola.

No total, são 11 unidades de ensino integradas a essa modalidade em todo o Estado – o que representa cerca de 4 mil estudantes. Para o ano letivo de 2018, a intenção é expandir o modelo para outras 25 escolas, chegando à marca de dez mil matrículas.

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